Porque é Dia de Portugal

Proponho-vos a leitura de mais uma reflexão de António Barreto em "Portugal um Retrato Social".

"Se há coisa, na minha vida pessoal, que agradeço, foi ter podido passar mais de uma década lá fora. Fez-me perceber o que gostava e o que não gostava em Portugal, e ajudou-me a perceber os outros. Defendo uma Europa plural, que aceita quem se ocupa mais da sua tradição cultural nacional, não sendo nacionalista – o que não sou em nenhum grau.

Mas se há alguma coisa que olho como identificação é quando ele (Michel Eyquem de Montaigne) viaja, em espírito ou na realidade. Percebe-se nele o fundo comum aos homens europeus: pluralidade radical. Esta é a minha Europa; não é o federalismo europeu, que destrói a pluralidade das culturas. A Europa que está em construção pode ser travada com a não aprovação da Constituição. Ao contrário do que se pensa, as coisas nunca são irreversíveis na vida: as nações vão por certos caminhos e de repente podem fazer marcha atrás.

Nestas três décadas houve uma euforia. Portugal foi promovido a país de primeira, aderiu à UE, criou o Euro, passou a ser respeitado, deixou de ter inimigos, deixou de haver países que cortassem relações com Portugal. O país terminou a guerra, descolonizou, criou a democracia. É quase comovedor ver o que os portugueses conseguiram fazer nos últimos 30 anos. Fizeram de Portugal uma sociedade plural sem que houvesse sequelas trágicas.

A euforia é como as paixões: cegou o facto de sermos pequenos, pobres, periféricos, incultos. Não temos riqueza importante: nem agricultura, nem petróleo, nem mineral. A euforia criou excesso de expectativas. E o país não chega lá. O fim da euforia começou nos últimos dez anos com a percepção de que tudo é muito mais lento. Aquilo que se tinha conseguido é insuficiente. Redescobrimos a nossa desorganização, a nossa falta de racionalidade, a nossa incultura profundíssima, a nossa insuficiência na formação. Isto é muito pessimista? Acho que não, é uma tentativa de realismo. Há dias, estava a ler as entrevistas de Medina Carreira e de Silva Lopes, que diziam: “Parece que não há ponta por onde pegar.” É melhor que nós saibamos onde estão as pontas para tentar pegar nelas.

Primeiro, é preciso acabar com a demagogia. Há muitos anos que não vejo os políticos portugueses mostrarem o diagnóstico exacto da realidade portuguesa. O défice continua, a produtividade não sobe o que deve, o défice externo continua, o défice público, apesar das engenharias, das aldrabices orçamentais que se fazem, continua. Porque é que os políticos não informam melhor, não fazem a pedagogia do diagnóstico, que é de desastre quase eminente? Na política, as minhas duas únicas esperanças limitam-se a alterar o sistema eleitoral, que condena a sociedade política, a participação e o interesse político. E obrigava a que todos os ministros fossem eleitos [deputados]. Depois, a crise na justiça, que faz com que a sociedade esteja sistematicamente votada ao improviso, à lei do mais forte. A justiça é o instrumento que moralmente mais contribui para a formação do cidadão. O próprio pilar da democracia é afectado pelo sistema judicial não funcionar. Não teremos cidadania nem justiça social se a justiça não for reformada."


Discurso de António Barreto aquando das comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas 2009. PDF

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