“Em Espanha e na Itália, chamam-lhes a «geração mil euros». Na Alemanha e em França, pretende-se criar um novo estatuto para eles, entre o precário e o estável. A Leste, os novos países da União Europeia exigem maior liberdade de circulação para os seus assalariados e diplomados. E em Estrasburgo, vota-se uma nova versão da Directiva Bolkestein! O mercado de trabalho europeu oscila e os jovens estão na corda bamba. Estão na casa dos 30, têm diplomas, mas tiraram assinatura de empregos precários e mal pagos. Vivem um dia de cada vez. Boa sorte, que bem precisam!
CONDENADOS aos Mil Euros
Em meados de Agosto, recebemos no jornal uma carta que anunciava o aparecimento de uma nova classe social. Intitulada «Sou uma mil-eurista», dizia designadamente: «O mil-eurista é um jovem diplomado, que sabe línguas estrangeiras, possui mestrados, doutoramentos, estágios de formação [...] e que não ganha mais de mil euros. Gasta mais de um terço do salário no aluguer. Não põe dinheiro de parte, não é proprietário, não tem carro nem filhos, vive um dia de cada vez. Às vezes é divertido, mas à força é cansativo.»
A autora da carta, Carolina Alguacil, de 27 anos, reside no centro de Barcelona e trabalha numa agência de publicidade. Vive com três co-locatárias, uma de 24 anos e as outras duas de 29. Nenhuma delas ganha o suficiente para alugar um apartamento sozinha. Pagam 360 euros cada e formam uma estranha família, unida, cujos membros se conhecem há menos de um ano. «Toda a gente com quem me dou está na mesma situação», acrescenta Carolina. «Tenho uma amiga que trabalha numa editora de Madrid por mil euros mensais; o meu irmão é engenheiro na Andaluzia e o caso é semelhante, tal como o da minha cunhada, licenciada em Ciências do Ambiente. Não é que vivamos mal, até somos privilegiados aos olhos de alguns, mas não é o que esperávamos».
Um recente relatório Eurydice (rede de informação sobre a Educação na Europa), aponta no mesmo sentido: em Espanha, apenas 40 por cento dos diplomados do ensino superior têm um emprego correspondente ao seu nível de estudos e o desemprego atinge 11,5 por cento dos diplomados com idades entre os 25 e os 34 anos, uma das taxas mais elevadas da Europa (a média situa-se à volta de 6,5 por cento). Os espanhóis nascidos entre 1965 e 1980 tiveram uma infância confortável, pais dedicados e responsáveis e cresceram num país moderno e optimista que se desenvolvia a grande velocidade. É certo que houve duas crises económicas (1974 e 1992), mas toda a gente estava convencida de que essa geração, a mais bem formada da história de Espanha — e também a mais numerosa —, viveria melhor do que todas as anteriores.
EXPECTATIVAS Perdidas
Foi preciso perder as ilusões e é aí que reside uma grande parte do problema, segundo o sociólogo Enrique Gil Calvo. «Estes jovens tinham expectativas», explica. «A geração anterior (nasci em 1946), cresceu com as vacas gordas e pôde matar o pai, ou seja, fazer tudo melhor do que ele: melhor alojamento, melhor emprego... Mas, para estes ‘mil-euristas’ que, paradoxalmente, tiveram melhores possibilidades em matéria de estudos, o futuro não cumpriu as suas promessas».
Carolina tem duas horas para almoçar. Hoje, escolheu um restaurante que propõe um menu a 7 euros, coisa que ela nem sempre se pode permitir. Pede um prato indiano com grão e conta: «O pior é que não sei como vai ser o meu futuro. Uma família como a dos meus pais já não é o objectivo. Mas qual é o objectivo?» Não experimenta nenhum sentimento de derrota, mas fala de um grande desencorajamento. Com efeito, à medida que avança em idade, o mil-eurista torna-se cada vez mais amargo.
Belén Bañeres tem 37 anos, vive em Madrid e sente que «chega sempre tarde». Estudou Psicologia. Há 14 anos que não pára de mudar de trabalho. Nunca teve um lugar relacionado com a sua formação. Nunca ganhou mais de mil euros brutos por mês. Há apenas um ano que trabalha com contrato de duração indeterminada, como administrativa. Desde então, conseguiu alugar um apartamento com o seu companheiro, outro trintão diplomado que ganha mil euros por mês. Parece-lhe quase impossível vir a ser proprietária. É difícil ver como poderiam ter filhos. «Com os horários que temos, nem sequer poderíamos tratar de um cão», diz. E, depois de ter resumido a sua biografia, conclui: «Também tenho a impressão de que me roubaram a vida».
Luis Garrido, professor de sociologia na Universidade Nacional de Ensino à Distância (UNED), pensa que este desencorajamento se explica em parte pela superabundância de diplomados: «Nasci em 1956 e, quando andava na faculdade, só 10 por cento dos jovens, na sua maioria rapazes, conseguiam uma licenciatura. Evidentemente que esses 10 por cento se apossaram dos lugares mais importantes. De repente, as pessoas da minha geração viram que com estudos se podia ir longe e transmitiram isso aos filhos». Mas, prossegue Garrido, «a partir dos anos 80, o número de inscritos nas universidades multiplicou-se e ultrapassou os 30 por cento. As mulheres afluíram em massa. Houve uma reviravolta educativa como em nenhuma outra parte da Europa e, de repente, já não havia bons empregos para todos. Isto gerou uma massa importante de jovens frustrados, que fizeram longos estudos, mas não tiram proveito disso e que não ganham o suficiente...».
As coisas não são mais fáceis para os mais jovens representantes dessa geração, como mostra o exemplo de Daniel Castillejo, de 29 anos, natural de Sevilha: «Sou arquitecto, falo três línguas e ganho menos de mil euros por mês, por um trabalho sem contrato, num atelier de arquitectura. Nunca tive contrato, nem férias nem décimo terceiro mês, tenho um carro com quinze anos, vivo com a minha namorada num apartamento alugado e, este mês, deixei de comprar o jornal todos os dias porque não posso permitir-me gastar mais 30 euros. Não acredito que nos tenham enganado. Acredito, isso sim, que estão a preparar-se para nos atirar para o caixote do lixo».
VIDAS de Eternos Estudantes
Às terças e quintas-feiras, Carolina tem aulas de flamengo na escola de dança Flamenkita, pelas quais paga 50 euros por mês. Uma hora não dá para fazer grande coisa: alguns movimentos de pulso, alguns passos de fandango... Mas isto basta a Carolina, porque dançar a descontrai. Contudo, como boa «mil-eurista», teve que fazer escolhas:«Inscrevi-me no flamengo e deixei de ir à piscina, porque não podia pagar as duas coisas».
A noite já caiu quando o autocarro a deixa perto de casa. As suas três co-locatárias já lá estão. Sentam-se no sofá da sala. Laura Caro, 29 anos, é especialista em «marketing» e põe dinheiro de parte para fazer um segundo mestrado. Ainara Barrenechea, 24 anos, estudou Direito e trabalha no serviço de contabilidade de uma grande empresa. Belén Simón, 29 anos, estudou História de Arte e trabalha num centro cultural. Contam umas às outras como correu o dia. As quatro jovens têm agora contratos de trabalho. Mas nem sempre foi assim. Tiraram proveito do último impulso económico: presentemente, a Espanha tem 19 milhões de activos, contra 12 milhões em 1995. Apesar de tudo, elas foram vítimas da precariedade que perseguiu os jovens da sua geração: em 2004, 52 por cento dos jovens de 30 anos tinham um contrato temporário. Em 1995, eram 62 por cento. E, sobretudo, com os seus mil euros por mês, não puderam emancipar-se por completo (independentes relativamente aos pais, continuam dependentes das suas co-locatárias), assistindo, estupefactas, como milhões de outros jovens, à escalada dos preços do imobiliário. Com a idade delas, os pais de Carolina e de Laura já eram proprietários da sua habitação (ou quase). Carolina possui unicamente a cama do seu quarto, uma mesa de trabalho, dobrada a um canto e um aparador moderno, vermelho, onde guarda os livros. No tempo dos seus pais, a taxa de natalidade era quase de três filhos por mulher. No fim dos anos 90, esses filhos fizeram-na descer para 1,1, a taxa mais baixa do mundo. Não é que elas não queiram ter filhos. O problema é que o relógio biológico não lhes dá tempo para esperar o «estatuto» que consideram necessário para procriar. São 23 horas. O apartamento de Carolina, Laura, Ainara e Belén começa a encher-se: chegam amigos de uma ou de outra, puxam de latas de cerveja. Riem, fazem projectos de saídas. Carolina sorri: «É sempre assim. As pessoas aparecem sem combinar, como no tempo em que éramos estudantes. É um bocado uma vida de eternos estudantes. O problema é que já não somos estudantes. É simpático, mas...» Mas, à força, é cansativo."
Antonio Jiménez Barca
Directiva Bolkestein
«Os serviços representam mais de dois terços da actividade económica e dos empregos na Europa. No entanto, os prestadores não beneficiam plenamente do mercado interno», observa o «Financial Times». Daí o projecto de directiva apresentado em 2004 pelo então comissário europeu do Mercado Interno, Frits Bolkestein, cuja aprovação no Parlamento Europeu era o cenário mais provável à hora de fecho desta edição. O princípio do país de origem, o ponto mais contestado do texto, foi abandonado. Este artigo permitia às empresas oferecerem serviços num dado país, mas com a actividade regida pelas leis do Estado de origem. E foi substituído por uma cláusula que garante o livre acesso dos prestadores de serviços aos Estados-membros da União Europeia. Mas conservou-se a possibilidade de os países restringirem o acesso ao seu mercado por razões de segurança, saúde pública, protecção ambiental, política social. Se tiver passado no hemiciclo, a directiva será submetida à aprovação dos Estados. «Este ano, isso deverá ser fácil, embora persistam grandes divergências, por exemplo, entre as posições da França e do Reino Unido, enquanto o Governo de coligação alemão não conseguiu chegar a uma posição única. Em Bruxelas, porém, espera-se que o Parlamento produza uma nova versão do texto, lançando as bases de um compromisso entre as capitais europeias»
Fonte: COURRIER INTERNACIONAL - EDIÇÃO PORTUGUESA